quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Uma paráfrase a Clarice Lispector

         Andei revisitando Clarice, em A Hora da Estrela...Uma amiga relembrou o livro. Da primeira vez,  “Macabea quase me matou”, palavras do narrador. Na sua  inexpressividade , a moça era a própria antítese dos macabeus. Agora, a personagem é para mim, o ícone ao  contrário do quero para a  juventude. Ela me faz refletir sobre o poder que temos de incentivá-los, os jovens , para que tenham  direito ao sonho e à construção de sua  própria história, a partir do conhecimento adquirido na escola ou pelo wi fi, não aquele emprestado pelo comerciante da  vizinhança ou  captado em terreno alto no fundo do quintal. Quero que todos tenham a oportunidade de se debruçar  à  maravilha do conhecimento , sem ter que esperar a  sonhada solidão  do quarto tão disputado para realizá-lo. Que todos tenham oportunidades de desenvolver  habilidades múltiplas , que a vida seja algo mais que um sim de Clarice,  falado por  uma molécula para outra molécula, segundo o seu narrador.  Que expressões  como “renda per capita”, “ efeméride”, “designar “sejam  funcionais no vocabulário. Que  eles  saibam quem foi o autor de Alice do País das Maravilhas, que ele foi matemático , que a terra tem mais de 7 bilhões  de habitantes  e que isso lhes  traga uma sensação de amparo e, depois, saberem em que aplicar o que aprenderam. Que conhecimentos infinitos  como os que Macabea ouvia no rádio emprestado, assim como o da teoria de que   a mosca poderia voar o mundo em 28 dias  , se o seu vôo fosse reto,  possa lhes tirar do limbo, para  que a vida seja mais do que  “ expirar e um inspirar em um viver ralo”. Que esses jovens  possam viver com glória e com vontade de ter futuro e  que eles tenham um rosto, um corpo e a inteligência de fazer  neles a morada divina. Que ler não se torne supérfluo,  porque a fome  será  menos  iminente.  Que não tenham medo de inventar, que saibam o que é cultura, que samba é diferente de outro ritmo e que eles não são condes e nem príncipes, mas que ter uma vida de esplendor não é privilégio de poucos, como pensavam Olímpico e Macabea.


                                                                        Professora Edneuda Pinto, Agosto, 2020. Fortaleza-Ce.


Um preâmbulo ao Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago.

        Um livro para quem tem fé na sua própria fé e para quem não a tem também. Momentos de espanto, outros de  deleite. Um livro que suscita arrepios na pele e na espinha dorsal,leva à  reflexão de que “ o homem é lobo do próprio homem e este próprio se devora”. Ao  que entendi, na leitura  deste autor, já citando outro,  esta parece ser uma premissa da qual ninguém está imune, ora sendo algoz, ora sendo vítima das vontades de outros  ou do destino. E o destino? Este permanece  intacto, imóvel seguindo as leis da natureza, sem ao menos se importar com as nossas  verdades e motivos.A expiação se sobrepõe e nessa linha,  alguém sempre vai sofrer se não por vontade, sim  por atitudes de  alguém, até pelas de nossos pais,quando cometem seus atos só para nos proteger.

        Mas este livro,  não o quero só para mim, e apesar de falar um pouco sobre esta obra de arte, o farei sem espoiler, a não ser que você aí que me lê agora, peça que  eu lhe conte toda a história que foi verdade ou a verdade que foi história. E eu, assim o farei, porque, por mais que você conheça por outras mãos ou outras bocas, nunca vai sentir a emoção de degustar as palavras originais do Evangelho Segundo Jesus Cristo que o tocarão em todos os seus sentidos de leitor.

        Conhecendo os  modos e costumes da  sociedade judaica , fazendo um contra- ponto com as atitudes da sociedade contemporânea, este evangelho é um dos melhores presentes que qualquer humano pode se dar.  Entre antíteses, paradoxos, rebusacamentos, ditos populares, dados históricos e teológicos, Saramago nos apresenta uma história cheia de verdades e igualmente cheia de dúvidas. Em um trabalho notoriamente árduo, no trato com as palavras. Este livro fez de mim  uma assaz caçadora de sentidos em um quebra- cabeças de vira- e- mexe, um faz- e -desfaz de sentidos nos trocadilhos, que vai de cima para baixo de baixo para cima, em um incessante prescrutar de expressões e ironias, às vezes sutis, às vezes tsunâmicas.

        Agora com a leitura deste livro, apesar de já conhecer parte de sua obra, compreendo por que Saramago não segue a pontuação e regras nos parágrafos. O seu fluxo  intenso  não dá espaço para preocupações com regras de grafia, decisão permitida apenas aos consagrados em nome da permanência daquilo que é essencial  em um momento em que tudo fora  verdade para o escritor.

        Assim  compreendo a literatura de Saramago até  aqui,  conhecida por esta aspirante a leitora de toda a obra deste autor. Revisito agora, esta extrema  grandeza e o faço para uma compreensão mais completa este livro a ser lido com calma, tempo e  que começa com a descrição insólita de uma pintura da cena da crucificação de Jesus Cristo. Já de início, se define a quais rumos o enredo vai nos levar, começando com a história do nascimento de um bebê muito humano que chorou porque cortaram o seu prepúcio com uma faca de pedra, ficou dentro de um comedouro de animais de viajantes, o qual lhe serviu de berço,  e que terminou sendo pregado vivo  na cruz, chegando ao máximo do limiar de todas as  dores

                                                                    Professora Edneuda Pinto, Agosto, 2020. Fortaleza-Ce.